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A Importância das Didascálias em "Felizmente Há Luar!"

Ao longo da história do teatro o uso das didascálias tem variado bastante, sendo muito ou pouco utilizadas, no entanto, o seu propósito é sempre o mesmo: dar instruções, ensinar.
Efectivamente, as didascálias são tudo aquilo que no texto dramático não se destina a ser dito pelas personagens e que, na representação cénica, desaparece enquanto discurso e surge diante dos espectadores como acção ou presença física, através de objectos, guarda-roupa ou cenário.
Assim, na obra “Felizmente Há Luar” surgem dois tipos de didascálias: 
  • As que surgem em itálico e entre parêntesis;
  • As laterais.
As primeiras surgem por entre as falas das personagens, no texto principal e dão indicações acerca:
  1. Da caracterização das personagens e do espaço cénico, tais como, trajes e mobiliário [Ao abrir o pano, a cena está moderadamente iluminada, encontrando-se duas personagens no palco: uma sentada a uma secretária com papéis e pastas olhando para a segunda personagem e tomando notas acerca do seu desempenho. A segunda personagem está ao centro e à frente do palco. Ambas estão bem vestidas.];
  2. Do tom de voz com que as palavras são pronunciadas, do tipo de discurso e das pausas que devem ser feitas [Fala muito rapidamente];
  3. Dos sentimentos que estão por detrás daquilo que é proferido e da sua intencionalidade, bem como do estado de espírito da personagem e a sua evolução ao longo da cena [Num tom de voz humilde e trémulo; Irónico];
  4. Da movimentação das personagens em palco, ou seja, do momento de entrada em cena, do percurso a realizar, da personagem a quem se devem dirigir [Sobe a um caixote para chamar a atenção; aponta para alguém];
  5. Dos efeitos de luz e som [Ilumina-se o palco. D. Miguel Forjaz, Beresford e o principal Sousa estão sentados em três cadeiras pesadas e ricas com aparência de tronos.].
Já as últimas, as didascálias laterais, são mais longas e apresentam descrições pormenorizadas, chegando a aproximar-se da função da descrição no género narrativo. As funções são:

  1. Complementar as falas das personagens [Sente-se que está preocupado];
  2. Levar o leitor a compreender melhor a história;
  3. Colocar o espectador como testemunha;
  4. Esclarecer as afirmações das personagens [Sorriem maliciosamente sugerindo que seriam privilegiados se o facto acontecesse].
Toda esta minucia na descrição dos espaços, movimentos, tons e outras mais, deve-se à situação política do Portugal dos anos 60. Sendo esta obra uma crítica à sociedade reprimida daquele tempo e incorporando ideais de liberdade que não eram muito favoráveis ao modelo do regime vigente, Sttau Monteiro tinha a consciência de que a sua obra dificilmente seria representada em Portugal, pelo que as didascálias funcionam quase como linhas de leitura que orientam a interpretação do leitor. A didascália lateral inicial é reveladora deste aspecto.
Assim, podemos concluir que, as didascálias assumem um papel importante no texto dramático em geral e nesta obra em particular, pois desempenham a função de guiar o leitor, na impossibilidade de o texto ser representado.

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